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“Memorial das Cinzas” – artigo de Paulo Ormindo de Azevedo

 

A tragédia do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista é o retrato do sucateamento a que chegou as instituições, a ciência e a cultura brasileira. Não são apenas 200 anos de história do Brasil e o fato de ali ter residido um negreiro, um rei e dois imperadores escravocratas, em pleno iluminismo, senão 110 milhões de anos de flora e fauna do cretáceo consumidos em quatro horas de incêndio. Da presença humana, o crânio de Luiza, datado de 11.500 anos, era a peça mais importante, porque provava que os primeiros habitantes das Américas eram negros, que vieram da Austrália. Mas havia também sarcófagos e múmias egípcias e americanas pré-colombianas.

 

Apenas itens líticos, como meteoritos e coleções de mineralogia podem ter sobrevivido, se não foram danificados pelo choque térmico da água dos bombeiros. Perdeu-se também milhões de horas de pesquisas de cientistas em cavernas, sob o sol dos gerais e das catingas e nos laboratórios do museu classificando e analisando seus 20 milhões de itens de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia e arqueologia de importância universal. A Unesco compara a tragédia do Rio com a destruição de Palmira na Síria pelo terrorismo.  Não menos importante é a frustração das gerações futuras de crianças, que não poderão descobrir, com espanto, que os dinossauros existiram no Brasil e não eram apenas fantasias de Spieldberg.

 

Por que isso aconteceu? Porque nossas autoridades não valorizam a história, a ciência e a cultura. Porque não temos planejamento, nem recursos para manutenção nos orçamentos públicos. Na comemoração dos 200 anos da instituição, apenas a homenagem de uma favela carioca no último carnaval. Na festa do aniversário nenhum ministro. Depoimentos de funcionários e vídeos assinalam seu péssimo estado de conservação, com cimalhas caindo, peças de madeira destruídas pelos cupins e gambiarras. Nenhum sistema de detecção de fumaça e combate ao fogo, sem uso de água.

 

O que se perdeu não há como recuperar. O que se pode fazer então? Reunir toda a informação cientifica que deve haver nos notebooks dos pesquisadores, e por ventura em outros museus e universidades no exterior que realizavam pesquisas em convênio com ele. O mesmo com a documentação iconográfica e de vídeos das TVs e particulares. Impressoras 3D poderão reproduzir, em plástico, fosseis e múmias que tenham sido escaneados em 3D. Por sorte, a biblioteca com 240.000 volumes, dos quais 2.400 são obras raras, fica em outro pavilhão e não foi afetada. Com essa documentação será possível criar um museu virtual, como o da Língua Portuguesa, que poderá ser educativo e belo, mas não terá a aura do original, será apenas um memorial das cinzas, enquanto se refaz seu acervo com uma campanha mundial de doações e novas expedições de campo.

 

Fonte:  A Tarde de 09/09/18

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