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Depoimento do Arq. Paulo Ormindo de Azevedo na 2ª Oficina sobre o PDDU organizada pelo Ministério Público Estadual

 


Da Politica Cultural

A cultura representa hoje em média 7% do PIB das nações desenvolvidas. Na economia urbana de uma cidade incluída na Lista do Patrimônio Mundial da UNESCO, como Salvador, pode representar muito mais. Infelizmente, no nosso caso, o investimento municipal na cultura não chega a 1%. A Municipalidade do Recife, há anos, vem investindo 4%. Mas não deixa de ser louvável a atenção que o PDDU dá a questão cultural no confronto com os anteriores. O capítulo dedicado ao tema é uma declaração de intensões bastante congruente, más não estabelece metas. Mesmo assim há falhas evidentes.

A política cultural de uma cidade deve visar preservar sua urbanidade, em nosso caso, a “soteropolitanidade”. E o que é isto? Do ponto de vista material, é o conjunto de aspectos geomorfológicos, paisagísticos, urbanísticos e arquitetônicos. Do ponto de vista imaterial, seus costumes, sua mística, sua linguagem, sua musicalidade, sua gestualidade, sua culinária etc. Aquilo que nos faz sermos identificados como cidadãos de Salvador. Não basta ter um Centro Histórico, a ponta de Mont’Serrat, o parque de Pituaçu, algumas igrejas e terreiros de candomblé preservados e o restante ser destruído e “enfeiado”, sem nenhum critério, pela pura especulação imobiliária.

Toda a cidade deveria ser preservada, como na Europa e mesmo nos Estados Unidos. Amsterdam, Roma, Nova York e San Francisco são as mesmas desde que as conheço, o que não significa que tenham edifícios novos, mas de qualidade. A Salvador de hoje não tem nada a ver com a Salvador de 30 anos atrás e as vezes me perco dentro dela. Não é possível que estejamos perdendo a relação com a Baia de Todos os Santos e o Atlântico, a condição de cidade de dois andares, o caráter dos bairros, pois hoje são todos iguais, e o acarajé tenha sido rebatizado de bolinho de Jesus. Lamento, mas não vi na minuta do PDDU estas preocupações.

Há ainda outras falhas, como a não existência de um instituto de articulação das ações culturais dos três níveis de poder. O Centro Histórico é tombado pela União, mas é, antes de tudo, o coração da cidade. O tombamento municipal não pode ser uma cópia da lei do IPHAN, que era boa para de 1937, mas que não considera a vida social do bairro e da cidade, e não estabelece distintos graus e zonas de proteção de um sítio cultural e/ou natural.

O PDDU e o Centro Histórico

O presente PDDU continua a tradição dos PDDUs anteriores de não definir a função e a infraestrutura do Centro Histórico. Tudo é remetido para o Sistema de Áreas de Valor Ambiental e Cultural, SAVAM, a ser encaminhado à Câmara de Vereadores futuramente. Assim, o que posso apresentar aqui são sugestões para um plano que ainda não existe e não sabemos como será elaborado. O que vou apresentar aqui já foi em parte exposto em dois artigos publicados no jornal A Tarde. O primeiro intitulado “Um plano de emergência para o nosso centro histórico”, publicado em 11/10/15, é o resumo do depoimento que dei na audiência pública da Comissão de Cultura da Câmara Federal, em 24/09/15, por solicitação da Deputada Alice Portugal para discutir o estado do nosso centro histórico. O segundo artigo, “O PDDU e o patrimônio cultural e natural”, publicado em 22/11/15 trata mais especificamente da minuta encaminhada e em discussão na Câmara. Também ligado ao tema é a entrevista que dei, em 22/12/15, ao site Participa/Salvador.

Para que possamos discutir o C.H. temos que fazer um breve retrospecto de sua decadência.  Esvaziado da aristocracia falida açucareira, no início do século passado, e expansão da nova burguesia comercial para o sul da cidade, o bairro foi ocupado por extratos sociais mais pobres, inclusive prostitutas. O centro tradicional foi também muito afetado com a reforma urbana da administração Antonio Carlos Magalhães, no início dos nos 70, com a criação do Centro Administrativo da Bahia e abertura da Av. Paralela e avenidas de vale, Não só a administração estadual foi tirada do C.H., como grande parte dos serviços polarizados pela construção do Shopping Iguatemi e novas avenidas, consolidando um novo centro de negócios, que competia com o tradicional. A manutenção da Administração Municipal no Centro Antigo é fundamental para sua valorização e conservação.

Durante 50 anos nenhum investimento público foi feito na área. O arruinamento de sobrados do Pilar, Taboão Praia e em menor escala da Baixa dos Sapateiros foi consequência de seu esvaziamento funcional e sua marginalização viária. Neste sentido, a mudança do projeto do metrô que originalmente passava por baixo do C.H., a meia altura ente as cidades baixa e alta foi fatal para o centro tradicional da cidade. Deixou-se, por outro lado, deteriorar o sistema de ascensores ligando os dois níveis do C.H. Outro erro gravíssimo foi a exclusão, a partir de1992, da função habitacional do C.H. para criação de shopping a céu-aberto que não vingou.

Ao meu ver, a recuperação da nossa área central só é possível através de uma política de valorização do uso-do-solo com a introdução de novas funções e reabilitação das tradicionais  e da acessibilidade.  Pernambuco está recuperando sua área central, o antigo porto, com a criação de um polo de informática nos velhos sobrados. O Rio, com o Corredor Cultural e o Porto Maravilha, com seus novos museus. Belém do Pará está fazendo o mesmo com o dinâmico Museu de Arte Sacra, e o projeto paisagístico do Mangal das Garças.

Embora não seja apresentado no PDDU nenhum plano para o C.H., nos instrumentos de intervenção na cidade são citados institutos que visam aumentar seu potencial construtivo, como o desvirtuado Transcon e a Operação Urbana Consorciada. O Transcom não tem nenhuma possibilidade de aplicação naquela área sob jurisdição do IPHAN. E ainda que não existisse essa limitação, ele não seria viável. Segundo a minuta do PDDU, o Coeficiente de Aproveitamento Básico, CAB, do C.H. seria 1(um) e o seu Coeficiente de Aproveitamento Máximo, CAM, 2(dois). Ora, o C. H. é constituído por sobrados de três e até quatro pavimentos, que ocupam 90% do lote superando em muito o CAM e, portanto, sem condição de ceder potencial construtivo.

Igualmente equivocado é imaginar que o entorno do C.H. e a península itapagipana poderiam ser recuperados mediante uma Operação Urbana Consorciada. Este instrumento, que se aplica geralmente a áreas a serem urbanizadas, se apoia no aumento do CAM e emissão e comercialização de Certificados de Potencial Adicional de Construção, CEPAC. A ser aprovado este dispositivo, a área envolvente do C.H. e um dos mais pitorescos e característicos bairros de Salvador seriam verticalizados. Essas áreas com uma rede viária colonial e não contempladas com um sistema de transporte de massa poderá sofrer uma verdadeira trombose urbana. Sua aplicação particularmente à península itapagipana acarretaria a obstrução da visão do maior ícone da cidade, a colina do Bonfim. Para completar, os CEPACs não funcionaram em área já urbanizadas, como o Porto Maravilha, do Rio de Janeiro, numa das áreas comerciais mais valorizadas do país.

Uma proposta objetiva

A requalificação da área central da cidade incluindo o Comercio exige a elaboração de plano urbanístico que não se restrinja a indicar monumentos que devem ser restaurados. É preciso integrar esta área à dinâmica da cidade. Do ponto de vista funcional, é preciso fortalecer a atividade habitacional, especialmente no C.H, onde ela foi excluída em 1992. Existem ali 1.500 ruinas, que se prestam para um projeto do tipo “Minha casa, minha vida”, com a vantagem de ser central e já dispor de infraestrutura urbana.  Atividades tradicionais devem ser fortalecidas como as ruas comerciais. Esta atividade sempre foi uma tradição da área, com áreas como a Conceição da Praia e ruas Portugal e Conselheiro Dantas, no Comercio, e Baixa dos Sapateiros, Rua Chile e Av. Sete de Setembro, na cidade alta.  Importante também é a ampliação dos incentivos a novas funções compatíveis com a estrutura edilícia da área, como faculdades, call-centers e pequena hotelaria. O momento é propicio, quando os shoppings em todo o mundo estão em crise e as associações de lojistas de ruas se fortalecem. A experiência bem-sucedida dos BIDs- Business Improviment District canadense/americano pode ser adaptada a nossa realidade.

O Comercio é uma área de grande potencial de desenvolvimento. De uma parte, pelo reaproveitamento dos galpões das docas, como fizeram em Baltimore nos EUA, Porto Madero na Argentina e Manaus. A ampliação do porto e instalação de serviços ligados a ele é outra perspectiva importante. De outra parte, pelo aproveitamento da gleba do Hospital Naval de Salvador para uma função inovadora e germinadora de uso continuo. Acrescente-se a isso a transformação do Forte de São Marcelo em ponto de observação do frontispício da cidade, à semelhança da estátua da Liberdade, em Nova York. Para isto é necessário a instalação de um pequeno teleférico ligando-o ao quebra-mar sul.

O outro problema grave da área central é a acessibilidade. Apesar de toda a marginalização ocorrida nos últimos 40 anos é possível integra-la à rede de transporte de massa, através de túneis com esteiras, escadas rolantes e elevadores, como já foi objeto de Trabalho Final de Graduação na Faculdade de Arquitetura da UFBA. Quando trabalhei no IPHAN, há 40 anos, desenvolvi um projeto para ligar a colina da Sé e Santo Antonio Além do Carmo com a segunda linha de colinas mediante passarelas sobre a Baixa dos Sapateiros. Uma dessas passarelas foi desenvolvida por Lelé, pouco antes de sua morte, ligando a rua das Laranjeiras, o mercado de São Miguel a avenida Juana Angélica. Uma outra passarela ligaria a Saúde a Santo Antonio Além do Carmo. Estas passarelas eliminariam o esforço de descer e subir ladeiras para chegar ao Centro Histórico, facilitando sua integração à cidade. A articulação dos dois níveis da área central passa pela renovação e ampliação do sistema de ascensores que deveria ser ligado ao sistema de transporte da cidade, integrando com passagem única de metrô, BRT, ónibus e ascensores.

Finalmente quero lembrar a questão da paisagem. Em nenhum momento se fala em paisagem na minuta do PDDU, que não é exclusivamente os parques e áreas verdes. Refiro-me às vistas para a Baia de Todos os Santos e Oceano Atlântico com a rede de mirantes que foi criada e enriquecida desde o período colonial e que está sendo destruída pela especulação imobiliária. Ajunte-se a isto algumas formações naturais que adquiriram significação cultural, como as colinas do Bonfim e de Santo Antonio da Barra, as dunas do Litoral Norte e o coqueiral ciliar da Orla do Atlântico.

Estas são as contribuições que me ocorrem dar no que se refere ao patrimônio cultural e natural de nossa bela Cidade do Salvador

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